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ANTÓNIO VIEIRA LISBOA
Poetas assim só aparecem de séculos em séculos e na abundante poesia lírica portuguesa não chegam a contar‑se pelos dedos das duas mãos.
Jaime Brasil
Um lugar dos melhores entre os melhores poetas modernos.
Rebelo de Bettencourt
A marca incontestável dum artista.
Raúl Leal
António Vieira Lisboa publica a maior parte dos seus livros na década de 40 do século XX. Nesse mesmo período encontram‑se a compor a sua experiência criativa outros poetas: Alberto de Serpa, Vitorino Nemésio, Francisco Bugalho, Fausto José, Pedro Homem de Melo, Mário Dionísio, Álvaro Feijó, Joaquim Namorado, Sidónio Muralha, Augusto dos Santos Abranches, Natércia Freire, Irene Lisboa, Rui Cinatti, Tomaz Kim, José Blanc de Portugal,José Régio, António de Navarro e muitos outros. Os versos movem‑se através das tertúlias de café, dos jornais, dos livros e das revistas que circulam do norte ao sul do país. São múltiplas as tendências e as estéticas em confrontos intermináveis, desde o modernismo ao neo‑realismo. O Poeta de Versos Estranhos (1940) ou de Poemas de Amor e Dúvida (1941) está afastado de todos esses círculos. Talvez se aproxime do grupo ligado aos Cadernos de Poesia(1940), ao seu manifesto: «Destinam‑se estes cadernos a arquivar a actividade da poesia actual sem dependências de escolas ou grupos literários, estéticas ou doutrinas, fórmulas ou programas. A poesia é só uma!»(1)
António Viera Lisboa constrói suas próprias normas no encalço de uma poética personalíssima. Toda a sua arte nasce de uma chama interior, de uma sensação de vazio, de desamparo, de insatisfação. A escrita é o reinventar da vida em águas mais mansas, a busca da quietude plena do espírito, o desfazer do caos. E é quase sempre a mulher que emerge nos versos, nas estrofes: «A terra é seca, é árida, é ingrata/sem ter o olhar de uma mulher./Só a mulher à terra prende e ata/ com invisível nó que o Amor sugere.» (2)De outro modo, a existência não faz sentido. «Tudo o que sinto ou sonho e me desvaira,/ a cor, o som, o aroma da paisagem/ que eu vejo longe porque d’alto paira/ sinto puríssimos em certa imagem...// A imagem d’Essa doce rapariga/alegre, sã e fresca como a aragem/ do Amor que a face ainda me fustiga/ para que eu viva a Vida com coragem.» (3) A mesma obsessão quando a paisagem se desdobra diante dos seus olhos: «Ao longo desse langoroso Lima/ o pensamento em que me alongo pende/ para um barco à vela rio acima, / um barco à vela que na água esplende.// E a vela arfando fresca ao leve vento/ lembra‑me, branca, a sua bela blusa,/ a blusa dela justa – o meu tormento - / com que ficava, olhando-A, tão confusa. // O barco à vela, majestosamente,/ que ao longo desse rio sobe além/ parece‑me Ela a aproximar‑se, rente,/ que em Seu andar inconfundível vem.» (4) Esta imagem não é mais do que o vibrar do sonho na palavra, na música, no ritmo. Uma aspiração profunda realizada no momento encantado de criação que é ao mesmo tempo vida e arte, realidade e fantasia, serenidade e arrebatamento, finito e infinito. Foi o modo que o poeta achou para «Viver a Vida toda Amor/só ao sabor/ do Coração.» (5) Mas a paixão sublime ficou apenas na sua lírica amorosa e sensual, na mulher que tão depressa aparece como desaparece do seu caminho. E é isso que se pode constatar no poema Na Cidade: «Essa de que nem sei o nome/ segui-A ao longo da Cidade plena/ de gente que ia e vinha lesta...// Depois perdi‑A/ na multidão...// Mas para sempre me deixou em cada artéria/ do Coração/ essa lembrança duma moça esguia/ frágil e séria/ que um dia vi com emoção.// Segui o meu destino...// Por mais que ande,/ não tornarei a ver seu Corpo fino...// A Cidade é tão grande!...» (6) Num outro exercício muito semelhante, A uma Desconhecida, regista as mesmas comoções vertiginosas: «Esse olhar íntimo mas fugitivo/ duma Desconhecida penetrou‑me/ de tal maneira a minha Alma ao vivo/ que pensativo, triste até, deixou‑me.// Esse olhar doce, súplice estragou‑me,/ assim tão momentâneo e tão preciso,/ a tarde toda... O meu prazer levou‑me.// E eu vendo‑A, estático, indeciso,/ fiquei‑me a olhá-La, alheio e só, perplexo...// !¿ Porque não segui eu essa mulher/ se ainda agora o Seu olhar me fere?!// ¿ Era o Amor que me passou à beira?/ ¿ A imagem d’Ele em pálido reflexo/ neste bulício da cidade inteira/ quase sem tempo em seu viver sem nexo?» (7)
António Vieira Lisboa foi o poeta das emoções, o cantor do Amor e da Mulher, mas foi também o cantor do Lima: «Sete vezes o Rio há‑de encher/ e subir ao «Passeio» da vila./ Cada vez há‑de ser Lua Cheia/ que, ao descer o «Passeio», vigila.// Doze meses é quanto medeia/ cada ciclo dos tais que hão‑de ser./ Sete vezes será Lua Cheia./Sete cheias o Rio há‑de ter.// Sete vezes, não mais, nunca menos/ p’ra que o ano nos venha folgado.../ P’ra que haja bons milhos, bons fenos/ - a fartura da gente e do gado.» (8)
NOTAS
(1) João Gaspar Simões, Itinerário Histórico da Poesia Portuguesa, Biblioteca Arcádia de Bolso, Lisboa, pg. 372
(2)António Vieira Lisboa, Chão de Amor, Editorial Nós, Braga, 1944, pg. 5
(3)António Vieira Lisboa, Chão de Amor, Editorial Nós, Braga, 1944, pg.11
(4)António Vieira Lisboa, Ao Longo do Rio Azul, Edição de Autor, Ponte de Lima, 1949, pg. 12
(5)António Vieira Lisboa, Versos Estranhos, Livraria Portugália, Lisboa, 1940, pg.8
(6)António Vieira Lisboa, Versos Estranhos, Livraria Portugália, Lisboa, 1940, pp.44-45
(7)António Vieira Lisboa, Mulheres, Livraria Bertrand, Lisboa, 1942, pg. 45
(8) António Vieira Lisboa, Ao Longo do Rio Azul, Edição de Autor, Ponte de Lima, 1949, pg. 50
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