terça-feira, novembro 25, 2003

As Mãos na Pedra, Alice Fergo, Universitária Editora, Lisboa,1995

A SENSUALIDADE DA PEDRA

Fazer o pleno do amor é mais do que levar a banca à glória no jogo da vida. É comunhão cósmica, enlace de corpos inflamados sem barreiras nem remorso, num tropismo positivo e incontrolável. Depois a libertação do espírito pela exclusão do espaço e do tempo, rumores de trigo maduro festejando a alegria dos sentidos.
Vem esta reflexão a propósito de “As Mãos na Pedra”, de Alice Fergo, magia por contágio, mãos geradoras de sensualidade ou pedra que a induz, catalisa e estimula.
De facto, por que não eleger uma pedra, pequena porção de Universo, como espaço descontínuo do sagrado ou do profano? Ou de ambos, se só o amor aglutina as duas componentes em conflito dentro de cada um de nós?
Carnal e puro é o amor respirado em “As Mãos na Pedra”, sem resquícios do pecado original com que a malévola cultura judaico cristã ensombrou durante séculos o mais belo símbolo da comunicação entre os seres humanos.

“Trago morangos na boca
E amoras no desejo
Penduradas à cintura
Noites - romãs, bago a beijo.
Sou cesta de fruta doce
Cheiro a terra a madrugar
Dispo debaixo das árvores
Nuvens que um pássaro me trouxe
Dos abismos de trovar.
Silvestre, mulher e frágua
Bebo das fontes a água,
Sedes minhas, a matar.”
( Pg. 13 )
Sorver este néctar é retornar ao Paraíso inviolado pelos répteis, ser peregrino em busca dum Céu que só existe na Terra, arredio e esquivo, mas que é preciso agarrar quando passa ao nosso alcance, pois é raro como um cometa a desenhar trilhos de luz para todos os amantes do mundo.
O Sol, a Lua e as Estrelas, metáforas da imagética clássica, quedam se pálidos e contemplativos perante o fulgor galáctico que transforma a pedra em vulcão e, depois, em suave areia de praia, num interminável ciclo de tempestade e bonança.

“Por que terei de permanecer humana apenas?
Se o destino do homem é morrer,
Eu peço pouco
Que me deixem ser um vaso louco
Onde o amor plante ciclos de açucenas.”
( Pg. 55 )

O corpo, em Alice Fergo, é a catedral do espírito onde se realiza o ritual do amor. E sem capelas imperfeitas.

joaquim evónio

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