O ideário da poesia parnasiana é, em múltiplos aspectos, utópico. Não discuto a forma, a mestria do trabalho literário, a reinvenção do vocabulário, a restauração do soneto, a música ou as rimas singulares, mas questiono a realidade objectiva, a verdade absoluta, a criação do objecto sublime da arte pela arte. Aqui se encontram as contradições profundas dos poetas novos inspirados pelas musas da mitologia grega, e, perfilhados nesse movimento contra o romantismo na primeira colecção do Parnasse Contemporain (1866): Théophile Gautier (1811-1872); Théodore de Banville (1823-1891); José Maria de Hérédia; Leconte de Lisle (1818-1894); Louis Ménard (1822-1901); François Coppée; Auguste Vacquerie; Catulle Mendes (1841-1909); Charles Baudelaire (1821-1867); Léon Dierx (1838-1912); Sully Prudhomme; André Lemoyne; Louis-Xavier de Ricard (1843-1911); Antoni Deschamps; Paul Verlaine (1844-1896); Arséne Houssaye; Léon Valade; Stéphane Mallarmé; Henri Cazalis; Philoxéne Boyer; Emmanuel Des Essarts; Émile Deshamps; Albert Mérat; Henry Winter; Armand Renaud; Eugéne Lefébure; Edmond Lepelletier; Auguste de Chatillon; Jules Forni; Charles Coran; Eugéne Villemin; Robert Luzarche; Alexandre Piesagnel; Auguste Villiers de L’isle-Adam; F. Fertiault; Francis Tesson e Alexis Martin.
O modo de ver e de sentir, ao contrário do que a maior parte desses vates pensa, é sempre subjectivo. Porque, se colocamos em cena o artista – o operário das belas-artes -, o pôr-do-sol, por exemplo, traz para os versos uma relação bela, variada e infinita, do homem com o mundo exterior. Mas, para o pegureiro, que não seja dado a fantasias, configura-se apenas um sinal prático: hora de recolher com o rebanho à choupana. Por isso, os jogos das emoções não se escondem. João Penha tentou fazê-lo, e ainda se mascarou, mas foi em vão. E o mesmo aconteceu com Olavo Bilac, em poemas, como este, A Canção:
«Dá-me pétalas de rosa
Dessa boca pequenina:
Vem com teu riso, formosa!
Vem com teu beijo, divina!
Transforma num paraíso
O inferno do meu desejo...
Formosa, vem com teu riso!
Divina, vem com teu beijo!
Oh! tu, que tornas radiosa
Minh’alma, que a dor domina,
Só com teu riso, formosa,
Só com teu beijo, divina!
Tenho frio, e não diviso
Luz na treva em que me vejo:
Dá-me o clarão do teu riso!
Dá-me o fogo do teu beijo!»
No soneto, Via Láctea, o poeta lembra o processo criador dos pintores expressionistas, como Franz Marc, o Génio dos cavalos azuis, porque é a imaginação, o sentimento intenso e transbordante que prevalece:
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto …
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um palio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
Ora, os parnasianos não fizeram uma ruptura radical com o romantismo, e para mostrar isso aqui está outro soneto de Olavo Bilac, Um Beijo:
«Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior...Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!
Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca mal-ferida.
Beijo extremo, meu prémio e meu castigo,
baptismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?
Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,
beijo divino! e anseio delirante,
na perpétua saudade de um minuto....»
E, concluindo: os poetas parnasianos contribuíram, sem dúvida, para os movimentos revolucionários – esses, sim! - da escola futurista e construtivista.
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