segunda-feira, fevereiro 25, 2008


O TEXTO ABERTO NA POESIA DE MARIA PETRONILHO

 O verso inicial na poesia de Maria Petronilho parece que vem quase sempre das ânsias, das recordações, dos medos da vida quotidiana, dos momentos de «matar a dor/da alma» (1) ou de «escrever/para me libertar de mim.» (2). Do seu discurso, da sua visão do cosmos, das suas saudades, das suas angústias, partem as palavras como aves soltas na aventura de viver um outro modo de cantar. A voz está presa a um tom magoado, mas vai subir e libertar-se nas paisagens oníricas:

 «A minha vida

é feita de

desertos

 

Levo a boca seca

e os lábios gretados

de tantos gritos

 

Oiço ao longe um rio

Vejo ao longe a luz

irisada

das gotas de água

que brincam nos seixos

Porque haverá tanto caminho

mas nunca lá chego?

Quem me impede de alcançar

o oásis que brilha?

 

No silêncio,

imensos, famintos,

meus olhos acesos! (3)

 

De outras vezes, como no poema Para a minha mãe, vai em busca de novos alentos:

«mãe coragem, atravesso

as altas chamas do mundo

e como tu vou cantando

o fado que, nos calhando,

na nossa voz reconheço,

e de coragem recobro

do pouco de ti que lembro». (4)

 

O turbilhão emotivo que atravessa esta poesia é um jogo de claro-escuro, de luz sombreada, de «parar no escuro/discernir o silêncio/para abranger a fulgência da luz/ e o prodigioso canto das cigarras.» (5) Maria Petronilho deixa sempre o texto aberto, isto é, nunca o fecha em mágoas ou em desencantos para poder ser partilhado, reescrito com outro vocabulário, com outros sonhos, com outras esperanças:

«Sozinha

...mas companheira

 

da inquietação cavaleira

cavalgo no tempo ainda

 

ligeira e longe me leva

- aventura, desventura-

 

gaivota sem rumo que deixa

argênteas pegadas n’areia

adormecida e fria

 

e na lua

o círculo d’uma asa ferida

 

velejeira que almeja

ainda espera

outra vida.» (6)

 

Nestes poemas de contrastes, de pulsações interiores e exteriores, de desassossegos e sobressaltos, existem algumas excepções. Uma delas está aí: Na Madrugada Medito:

 

 «sou livre como vento

Como este mar que sinto

Como o solo aonde piso

Como o ar onde me movo

como a música que oiço

como a luz e quanto vejo

no amor por quanto sinto

na paz de ser-se infindo. (7)

 

NOTAS

 

(1) Maria Petronilho, Nos Ponteiros da Alvorada, Edição de Autor, pg.5

(2) Maria Petronilho, Nos Ponteiros da Alvorada, Edição de Autor, pg.6

(3) Maria Petronilho, Nos Ponteiros da Alvorada, Edição de Autor, pg.56

(4) Maria Petronilho, Nos Ponteiros da Alvorada, Edição de Autor, pg.17

(5) Maria Petronilho, Nos Ponteiros da Alvorada, Edição de Autor, pg.51

(6) Maria Petronilho, Nos Ponteiros da Alvorada, Edição de Autor, pg.70

(7) Maria Petronilho, Nos Ponteiros da Alvorada, Edição de Autor, pg.90

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


1 comentário:

Maria disse...

Amigo, nem um comentário te deixei assinalando a minha gratidão por quanto és e fazes, discreta mas perfeitamente.
Bem-hajas!
Carinhoso abraço,
Maria