ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA
ÁLBUM DE FAMÍLIA
ÁLBUM DE FAMÍLIA
Câmara Municipal de Viana do Castelo, Viana do Castelo, 1995
Este texto poético reflecte um exercício de memória fecundante: reinventa a vida de heróis que se movimentam num espaço e num tempo de vários deslumbramentos. E foi a saudade — «a saudade cheia de emoção «— a dar voz e ânimo ao poeta para realizar um itinerário de reencontros intensamente afectivos. Da evocação genealógica, e numa síntese exemplar, emergem os retratos romanceados em verso que constituem o «álbum de família».
António Manuel Couto Viana transpõe para uma poesia de raiz lírica a tragicidade do romantismo camiliano e a observação minuciosa do realismo queiroziano. Para avaliarmos essa emocionalidade bastam alguns versos de um poema de renovação rítmica que põe em cena os «antigos cavalheiros da família»: «surgem todos / De um romântico e imenso guarda-fatos, / Cheirando a naftalina os trajos e os modos, /A caminho do álbum de retratos.» O vestuário e os adornos estão descritos com detalhe: «Sobrecasacas, chapéus altos e, na mão, / Bengala de castão de prata e de marfim. / Um deles, par do reino, ostenta a Conceição /E, no oiro da farda, o mimo do espadim / (Tinha berço e brasão nas terras de Aboím).» As tintas dos esboços deslizam depois para tonalidades sombrias: «um, em tempo de terror, / Teve morte horrorosa, / Com um tiro anarquista, no enterro do escritor, / Conde de Sabugosa.» E, na configuração das tensões amorosas, «outro enlouqueceu pela feitiçaria /Da noiva que o amou e por bem lhe fez mal.» Não é apenas este poema que nos permite constatar a coexistência de temáticas ou de processos literários explícitos nas obras dos dois maiores escritores portugueses do século XIX. Atente-se em outros versos d'«O Avô Suicida»: «O meu Avô paterno era toda a cidade: /A indústria e o comércio (o vapor e a balança); / Bancos, vinhos, Seguros, Casas de Caridade.. . /E agente consular honorário da França. //Na Havaneza da Praça, / Reunia o escol político local. / Iam ali Junqueiro e o Tio Manuel Graça /Escrever versos, palestrar, ler o jornal», ou ainda em «As Mãos de Minha Mãe»: «Meu Pai, jovem alferes, ia a cavalo / Fazer-lhe pé de alferes à quinta; à Meadela. / E ela começou a amá-lo e a esperá-lo / Debruçada à janela.»
São autênticos rimances na multiplicidade dos dois rumos. Por isso (pelo que exprime do seu poder criativo) se vê uma vez mais o invulgar talento poético de António Manuel Couto Viana. Mas a arte poética tem aqui um outro valor, que é admirável: o testemunho histórico. Ao ritmo da sua pulsação interior, o poeta revolve o tempo lento do círculo familiar desde a bisavó a inventar biscoito (o biscoito de Viana) às «antigas senhoras da família» inclinadas sobre as artes de distracção (os bordados, os doces, os arranjos florais) ou concentradas na «leitura, à luz do candeeiro», desde o pai a bater-se fervorosamente pela causa monárquica ao primo Zé Antunes a viver o sonho de republicano nas barricadas do «fatal 31 de Janeiro». Mas também se escutam as serenatas e as valsas da Tia Rosalina «pra alegrar as nossas festas» e avivar nas nossas memórias a diversidade da vida profunda.
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