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MATA COUROS ou as “GUERRAS” do Capitão Agostinho, Carlos Gueifão, Universitária Editora, Lisboa, 1998
Um poeta passou pela guerra sem perder a inocência e conseguiu reter as imagens belas da camaradagem e do amor pelo ser humano, ainda que lutasse do outro lado da barricada.
Disfarçado soba penumbra do tempo, vestindo a capa dum imaginário sui generis, traz nos o testemunho duma época que marcou profundamente a maioria dos nossos contemporâneos.
Tempo de guerra mas também de aventura, bem ao jeito da idade que tínhamos na altura dos acontecimentos relatados, conseguiu isolar, com um talento muito peculiar, momentos de evasão característicos dum ambiente que a amizade sempre foi pródiga em criar, principalmente por entre os demónios da batalha.
Ao abrir as janelas do passado, Carlos Gueifão dá nos uma saborosa lição de futuro. A jovialidade dos cinquenta mantém se bem fiel à juventude dos vinte.
Tanto na preparação da partida como nos acontecimentos vividos lá fora, quer ainda no regresso pleno de recordações e da satisfação do dever cumprido – em toda a sequência emerge um espírito de missão hoje tão esquecido por gregos e troianos – o Autor conseguiu, de forma coloquial e simples, contar-nos pequenas histórias agregadas pelo cimento dum período em que a melhor parte de todos nós foi enfrentar riscos ignorados e desvendar caminhos por entre os capinzais da surpresa ou do sobressalto.
Trinta anos volvidos, vem a dar se o afloramento dum sindroma que, por esperado, não de deixa de ser preocupante. É a Perturbação pós Stress Traumático, mais conhecida por Stress de Guerra, que afecta, no dizer de alguns especialistas, um número significativo dos então jovens combatentes que labutaram por terras de África.
Para esses, bom seria que estas histórias breves e simbólicas constituíssem um saudável lenitivo.
Enquanto outros se divertiram, ou consagraram, na descrição apocalíptica da destruição do templo, Carlos Gueifão, humilde e simples, oferece-nos um rosário de impressões sobre um período recheado de horrores, seleccionando os momentos bons vividos por entre a amálgama duma situação global que nada tinha de aprazível.
Bem patente é a sua capacidade de interpelar sem ofender, de criticar sem agredir, de agredir sem magoar, de criar humor num estilo irónico e romântico que até poderá ter o condão de desafiar, quem sabe, algumas vocações adormecidas em vias de despertar para oferecerem o seu contributo ao nosso panorama literário.
Grande é a alma do narrador, colocado em situações quase nunca fáceis, que teve de dirimir. E fê- lo com dignidade, elegância e cavalheirismo.
Burilados pela sua prosa poética, estes textos conseguem mesmo suscitar saudades de tempos e episódios que, filtrados pelo humanismo do Autor, até chegam a parecer felizes embora, de vez em quando, a terra explodisse em rajadas de metralha e os corações se partissem em explosões de amargura.
Conta nos uma história coerente - é fácil encontrar os hífenes da coerência entre os contos diversos com que nos brinda.
Os enigmas ficam nas entrelinhas.
As alcunhas nascem e brotam como flores naturais, rebaptizadas por uma criatividade bem portuguesa, o epíteto imprescindível é bem escolhido, quase sempre o mais adequado para caricaturar ou resumir os factos narrados.
O ineditismo do seu testemunho merece justo reconhecimento, pois, ao elidir quase tudo quanto dividiu as pessoas, lado a lado ou frente a frente, se coloca na posição de encontro, diálogo e solidariedade que hoje enquadra as relações entre os que, tendo combatido entre si, foram capazes de encontrar um património comum e insubstituível que se chama Liberdade.
Estamos perante um exercício de escrita original e puro.
E se fôssemos lê- lo?
“ Tá a andar”!
Maxiais, 3 de Setembro de 1997
Joaquim Evónio de Vasconcelos
sexta-feira, dezembro 26, 2003
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