domingo, setembro 07, 2008

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CARMEN OU A MAGIA DA ARTE

NOS SONETOS DE VASCO DOS SANTOS



Esta poética de Vasco dos Santos inspira-se em Carmen, na dor e na perda da mulher amada: «Estavas tal qual eras – graciosa, /Envolta na mortalha, revestida, /Apartada de mim, no adeus à vida/E a face tão tranquila – cor de rosa. //A morte, assim brutal e insidiosa, /Sem um sequer adeus à despedida, /Partiu sem ser notada ou percebida/Pra viagem sem termo e dolorosa.» (1) Mas não é a morte a grande temática ou a mensagem do poeta: é a vivência de ambos, as experiências humanas, os momentos de contemplar a beleza - o «oceano imenso» (2), a «sombra dos pinhais» (3), as flores dos jardins, os cânticos dos pássaros - as veredas da saudade, as noites da solidão e o destino.

O procedimento artístico de Vasco dos Santos afasta-se do «lirismo com dramaticidade permanente» (4) de Augusto dos Anjos, do Poema Negro ou do soneto O Poeta Hediondo: «Eu sou aquele que ficou sozinho/cantando sobre os ossos do caminho/A poesia de tudo quanto é morto!» (5) Em Carmen, a magia da poesia, transforma a realidade mais cruel numa outra significação: abre os espaços luminosos, faz voltar os «afagos, à distância» (6), instala diálogos íntimos como este: «E sempre me dizias e falastes/ Que o teu amor é meu no meu que tinhas.» (7)

De soneto em soneto, as mágoas, as saudades, os «sonhos eternos» (8) e os múltiplos reencontros afectivos reinventam os mistérios da vida:


«Senti os passos teus pisando a grama

No pé ante-pé, igual caminhas,

Foi um sonho, eu bem sei, como o adivinhas,

Se ninguém falou nada e nem te chama?

E, contudo, eu te vi em outra cama

Onde, ao frio, repousas e te aninhas,

Lá deixei o calor – saudades minhas

Que o amor da minh’alma mais inflama!

Sei que a saudade é vida sempre ausente,

Por mais que a morte esqueça a despedida,

Naquele adeus eterno da partida

Que, um dia, infalível, se apresente

E a promessa haverá de ser cumprida

Resgatados na fé pra outra vida.» (9)

Notas

(1), Vasco dos Santos, Carmen: 47 sonetos + um, Editora Nova Aldeia, São Paulo, 2005, pg.17

(2) Idem, idem, pg.11

(3) Idem, idem, pg 19

(4) Carlos Drummond de Andrade, Nota critica à obra poética de Augusto dos Anjos, Manuscrito, Biblioteca Nacional, Brasil

(5)Augusto dos Anjos, O Poeta do Hediondo

(6) Vasco dos Santos, Carmen: 47 sonetos + um, Editora Nova Aldeia, São Paulo, 2005,

pg.68

(7) Idem, idem, pg.68

(8) Idem, idem, pg.15

(9) Idem, idem, pg.47


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