O meu respeito pelos textos de José Carlos de Magalhães Loureiro permanece desde o seu artigo As Feiras Novas no Princípio do Século publicado no Anunciador (1994). Vi logo que estava ali um jovem historiador animado pelo seu ofício, com uma grande capacidade de dar vida aos documentos. Uma das suas mais recentes obras, Sociabilidade Religiosa em Viana do Castelo na segunda metade do século XIX, começa por uma abordagem consistente da vida dos homens e das confrarias das Almas, Nossa Senhora da Assunção, Nossa Senhora da Piedade, Santa Luzia e Senhor Jesus dos Mareantes. Diante da escassa informação das fontes, abriu outros caminhos para traçar o perfil socioprofissional dos confrades. E, como resultado, lá estão os resquícios das primeiras corporações medievais dos trabalhadores do mar e dos ofícios na realização das festas e das cerimónias religiosas, no espírito puro da caridade, como as ajudas à hospitalização, funerais e meios de sobrevivência das viúvas. São os comerciantes, os artífices, os pescadores e os marítimos que aparecem em lugar de destaque, e depois as elites urbanas, que estão ligadas à confraria de Santa Luzia, «de criação tardia». José Carlos de Magalhães Loureiro mostra-nos como os confrades procuram manter os costumes, os códigos de ética, a socialização dos comportamentos, a devoção ao santo, a piedade. Os estatutos que regiam a confraria (do Senhor dos Mareantes) até 1884 previam como direito dos irmãos e familiares, no campo da assistência, a mortalha e a sepultura condigna. Estavam ainda obrigados a dar assistência e socorro aos mareantes e pescadores mortos dados à costa e aos pobres peregrinos que cruzavam a cidade.» (1)
A Confraria de Santa Luzia não recrutava apenas os homens e mulheres do lugar, mas de outras aldeias, vilas e cidades do país e do estrangeiro, como Ponte de Lima, Monção, Braga, Porto, Coimbra, Lisboa, Pará, S. Paulo e Rio de Janeiro. Estes grémios populares estavam enraizados na crença, na ajuda mútua, no calendário festivo, na vida quotidiana, e não eram alheios, por isso, à evolução política, aos receios da peste, aos maus anos agrícolas. O Historiador compara o ritmo das inscrições com os ciclos económicos para concluir: «A ligeira subida de preços nos primeiros anos da década de vinte, parece afectar levemente o número de ingressos. Por seu lado, a descida dos preços entre 1825-30 impulsiona, nas confrarias estudadas, a sua subida.» (2)
Estamos na presença de uma investigação inteligente, ponderada e criativa em torno de múltiplos documentos que, pelo modo como são lidos e transcritos, fazem reviver não só as antigas confrarias vianenses, mas também a conduta dos homens no espaço urbano e sagrado, as festas da cidade, os percursos processionais e o toque dos sinos na vida e na morte.
José Carlos de Magalhães Loureiro pertence a uma nova geração de Historiadores que escuta cada vez mais as palpitações da vida local. Aqui se faz, e aqui se tem feito, a renovação da ciência histórica. Em muitos aspectos, a História Geral depende da História Local. É o que nos diz, ao fim e ao cabo, um grande sociólogo paulista: «A História não será correctamente decifrada pelos pesquisadores se não estiver referida a esse âmbito particular que é o sujeito e o da história local, isto é, ao modo de viver a História. Por essas meditações a compreensão da História se enriquece, mas se enriquece também a consciência histórica de quem age na esperança de dar sentido ao seu destino no destino do género humano» (3)
NOTAS
(1) José Carlos de Magalhães Loureiro, Sociabilidade Religiosa em Viana do Castelo na segunda metade do século XIX, Edição da Câmara Municipal de Viana do Castelo, Viana do Castelo, 2005, pp. 28-29
(2) José Carlos de Magalhães Loureiro, Sociabilidade Religiosa em Viana do Castelo na segunda metade do século XIX, Edição da Câmara Municipal de Viana do Castelo, Viana do Castelo, 2005, pg.70
(3) José de Souza Martins, A Sociabilidade do Homem Simples: Cotidiano e História na modernidade anómala, Editora Contexto, São Paulo, 2.ª edição, 2008, pg. 117