FRAGMENTOS DE SOMBRAS
de
JOSÉ SOUSA VIEIRA
José Sousa Vieira continua a sua experiência poética sem recusar os momentos de lirismo e de inocência em quadros iluminados por «um cavalo de cartão» ou pela cal que escorre num banco de avenida, num banco solitário, num banco vazio: «um banco branco/desejoso de conversar, /contou-me um segredo/que não me pediu para guardar:// disse-me/que, nele, banco branco/ por plátanos encoberto, /nas noites de luar, /vem, às escondidas, /o Rio Lima namorar.» (1) De súbito, um banco vazio - um objecto no espaço abre--se à poesia. (pág.33). Esta é sem dúvida a função da arte literária, mas não é única. E o autor tem consciência disso. Aqui, nesta obra, muda várias vezes a atmosfera que se respira. As palavras saltam como chuvas nas quatro estações em paisagens de claridades e de sombras ou de «fragmentos de sombras». Dão lugar ao fado, talvez ao da saudade, do fatalismo, da resignação ou das cores sombrias das terras minhotas: «também de preto se escondem/Jovens mulheres pela saudade/ De luto dos que não podem/Ver sorrir-lhes a idade. // E tanto amor assim perdido/Como o grão que se não colhe, / Na emigração, fado sentido/ Da miséria que a nós tolhe.» (2) E dá-se conta de outras mensagens avessas ao conformismo que transitam nos seus versos em estado de alerta e distantes da alegria ou da festa: é o «aroma de espingarda» que se espalha no papel e a «mão bruta/astuta prostituta/mão dissimulada» (3) que emerge como símbolo desprezível da sociedade do nosso tempo. O poeta procura refazer valores e reinventar a vida, mesmo quando canta a sua pátria num tom magoado:
1.Fragmentos de Sombras, Edição de autor, Ponte de Lima, 1996, pág.33
2.Fragmentos de Sombras, Edição de autor, Ponte de Lima, 1996, pág.34
3.Fragmentos de Sombras, Edição de autor, Ponte de Lima, 1996, pág.42
4.Fragmentos de Sombras, Edição de autor, Ponte de Lima, 1996, pág.52
5.Fragmentos de Sombras, Edição de autor, Ponte de Lima, 1996, pág.69
6.Fragmentos de Sombras, Edição de autor, Ponte de Lima, 1996, pág.69
7.Fragmentos de Sombras, Edição de autor, Ponte de Lima, 1996, pág.75
8.Extracto da Canção de Allen Ginsberg.
«Saudoso das naus
naufragadas,
- outros mundos
descobertos-
de mansinho
para não as acordar
Portugal vai-se
afundando
lentamente no mar.» (4)
naufragadas,
- outros mundos
descobertos-
de mansinho
para não as acordar
Portugal vai-se
afundando
lentamente no mar.» (4)
Mas não deixa nunca morrer a esperança porque no futuro «hão-de navegar sem mar/ as naus doutras descobertas/Por Portugal a trilhar.» (5) Trata-se aqui de um sonho, de acreditar na alvorada das ideias novas, no desabrochar de novas mentalidades e da vontade dos homens em construir obras diferentes «que nos tirem dos atrasos/das tormentas de betão/ que nos deixem menos cores/nos mapas da emigração.» (6) E por detrás de tudo, «dos outros ventos/em que esta poesia voa» (7), das imagens não explícitas, dos signos ocultos, a lírica de José Sousa Vieira aproxima-se da Canção de outro poeta:
O peso do mundo
é o amor.
Sob o fardo
da solidão,
sob o fardo
da insatisfação
o peso
o peso que carregamos
é o amor. (8)
é o amor.
Sob o fardo
da solidão,
sob o fardo
da insatisfação
o peso
o peso que carregamos
é o amor. (8)
NOTA
A capa e as ilustrações são da autoria de Madalena Martins. A artista carregou esta obra com outros enigmas. Em tons de brancos e negros, em linhas horizontais e verticais, deixou aqui também um sopro poético.
1.Fragmentos de Sombras, Edição de autor, Ponte de Lima, 1996, pág.33
2.Fragmentos de Sombras, Edição de autor, Ponte de Lima, 1996, pág.34
3.Fragmentos de Sombras, Edição de autor, Ponte de Lima, 1996, pág.42
4.Fragmentos de Sombras, Edição de autor, Ponte de Lima, 1996, pág.52
5.Fragmentos de Sombras, Edição de autor, Ponte de Lima, 1996, pág.69
6.Fragmentos de Sombras, Edição de autor, Ponte de Lima, 1996, pág.69
7.Fragmentos de Sombras, Edição de autor, Ponte de Lima, 1996, pág.75
8.Extracto da Canção de Allen Ginsberg.